A Farofa (antes FarOFFa) ganhou novos contornos, por isso, o nome da mostra não inclui mais os dois “Fs”. A ideia é apresentar obras artísticas que estão em suas jornadas de criação, além de espetáculos recentes
São Paulo, fevereiro de 2024 – Entre os dias 2 e 10 de março de 2024, a mostra Farofa do Processo ocupa a cidade de São Paulo, com a apresentação de trabalhos em construção que apontam conexões, descobertas e provocações no campo das artes cênicas, além de espetáculos recentes. Este ano, a Oficina Cultural Oswald de Andrade, a Casa do Povo e o Teatro de Contêiner recebem tanto os trabalhos em processo quanto os espetáculos já prontos. A programação é intensa, com sessões de manhã, de tarde e de noite, com mais de 100 horas de apresentações. Veja a programação completa em https://www.faroffa.com.br/.
A Faroffa (antes com dois Fs) nasceu em 2020 como uma alternativa ao público, aos produtores e programadores nacionais e internacionais, apresentando uma cena “off” da cidade e do país, mas contemplando, prioritariamente, processos artísticos, como um ultrassom, que antevê aspectos humanos, gerando imagens em tempo real de partes ou estruturas do corpo. Na edição de 2024, chamada Farofa do Processo, as imagens processuais são de obras artísticas em suas jornadas de criação, em tempo “quase” real. A mostra é um espaço dedicado àquilo que ainda não sabemos, o que antecipa um futuro.
“Queremos dar aos processos artísticos o mesmo peso que damos aos espetáculos já prontos. É uma chance de trazer o backstage para a cena, revelando para as pessoas como nasce uma obra cênica, e destacando todo o trabalho de produção”, explica Gabi Gonçalves, uma das idealizadoras da Farofa, da Corpo Rastreado.
Dessa forma, a Farofa do Processo define-se como um mergulho em questionamentos sobre o olhar e o fazer nas artes cênicas, em uma busca por desenvolver uma nova linguagem para a produção. Tudo isso acontece também por meio de ações de aproximação dos mais variados tipos: rodas de conversa, bate-papos, encontros com programadores, exposições, exibições de vídeos e mais.
A ideia é aproveitar a oportunidade para debater com a sociedade questões relacionadas à criação, pensando também sobre a distribuição, a circulação e a mediação das artes vivas. E, por este motivo, a programação do evento é viva, modificando-se conforme a necessidade. “Movimento” é uma ideia que está colada à estrutura de pensamento da Farofa, desde seu primeiro ano, em 2020.
Espetáculos da Farofa do Processo
O foco do evento não são os espetáculos já prontos e sim os que estão em processo de criação. Por esse motivo, são exibidas apenas obras que já ganharam os palcos. Não há estreias. Com a reapresentação de alguns trabalhos recentes, é uma chance de ver – ou rever – peças ou coreografias responsáveis por discussões importantes.
Em “Figueiredo” (obra estreada em 2022, na Europa), de Pedro Vilela – radicado na cidade do Porto, em Portugal – o ponto de partida é o chamado “Relatório Figueiredo”, que ficou oculto por mais de 40 anos. O documento traz as conclusões da investigação instaurada para apurar irregularidades no Serviço de Proteção aos Indígenas, órgão estatal responsável pela execução da política indigenista brasileira entre 1910 e 1967.
“Stalking”, de Elisa Volpatto, estreou em 2022 e é inspirado em um caso real de assédio no ambiente de trabalho sofrido pela atriz Livia Vilela. Em clima de deboche do patriarcado, a linguagem do espetáculo flerta com o universo do terror e dos contos de fadas, mapeando estruturas que precisamos desarmar para combater o machismo tão fortemente enraizado em nossa sociedade.
Por sua vez, “Sou Ave que Carrega Coisas Que Têm Brilho Para o Seu Ninho”, uma estreia de 2023, do Karma Coletivo, Itajaí, Santa Catarina, é uma dança-rito pela presença, uma conversa cênica entre os territórios da dança e das artes visuais, evocando temas como o sagrado, a carne, o tempo, a vida e a morte. A obra é uma tentativa de manter presente o corpo do pai através do corpo do filho-performer, evidenciando tensões entre o uso da palavra e do corpo.
Já o romance vencedor do Prêmio Jabuti de 2021, “O Avesso da Pele”, de Jeferson Tenório, ganhou uma adaptação para o teatro com o Coletivo Ocutá, que ocupou os palcos em 2023. A peça, homônima, reflete sobre identidade e as complexas relações raciais, envolvendo principalmente violência e negritude. Na trama, Pedro narra a sua história a partir da vida de seu pai, Henrique, um professor de literatura da rede pública de ensino que sofre uma desastrosa abordagem policial e acaba assassinado.
A Cia Mungunzá apresenta nesta Farofa do Processo dois de seus espetáculos: “Poema Suspenso Para uma Cidade em Queda”, uma fábula contemporânea sobre a sensação de suspensão e paralisia geral do mundo atual e “Cena Ouro”, que nasceu das políticas socioculturais do Teatro de Contêiner e da dramaturgia da peça “Epidemia Prata”, de 2018.
Espetáculo infantil livremente inspirado nas obras do artista visual, Mauro Caelum, a Karma Coletivo de Artes Cênicas, de Itajaí (SC), apresenta seu primeiro espetáculo, “CaÊ”, um menino que, com sua bicicleta, constrói um caminho de descobertas e surpresas, plantando sonhos por onde passa.
A JAMZZ, da Cristian Duarte em Companhia, é uma performance/improvisação com a participação do público. Inspirada no Jazz Dance, convida todes para uma experiência estética e performativa vintage alimentada principalmente por hits musicais dos anos 80. Em referência à expressividade e estética do Jazz Dance, a performance é orientada por passos, movimentos e roupas capazes de seduzir o público para traçar uma diagonal que coloca em fluxo repertórios e emoções.
Ensaio aberto – “E Nunca as Minhas Mãos estão Vazias”, de Cris Duarte em Companhia/Zona, é uma dança pensada para fazer renascer sensações para delirar a vida diante de uma realidade insuportável. A obra estreou em 2023 e fará ensaio aberto na Casa do Povo.
Processos artísticos na Farofa do Processo de 2024
Os quase 30 trabalhos – em diferentes fases de criação – estão sendo idealizados por artistas de São Paulo, da Baixada Santista, do Espírito Santo e do Piauí. “Não pressionamos ninguém a acelerar as suas produções. Muito ao contrário. Nosso objetivo é deixar as pessoas livres para criar, sem a pressão das datas”, explica Gabi.
Entre os destaques estão o trabalho “Serra Pelada”, do diretor e dramaturgo Alexandre Dal Farra – uma obra sobre o extrativismo, e anti-extrativista na sua lógica, que se renega a expor-se nesta lógica, a mostrar-se cintilante e promissora, a segredar riquezas. Em “Macário do Brazil”, de Carlos Canhameiro e Quarteto à Deriva, é colocada em cena a peça “Macário”, de Álvares de Azevedo, mesclando o texto com as formas da música brasileira contemporânea, juntando o jazz livre e a MPB, o teatro pós-dramático e o musical, o teatro documentário e a dança.
O Coletivo Inominável mostra para o público o processo artístico de “Fronteira”. Em um futuro distópico, quatro bichas exiladas aguardam o sinal de um levante. Enquanto compartilham lembranças e desejos, observam a ruína da cidade que os expulsou e se perguntam se vale a pena tomar o que lhes foi tirado ou fundar uma nova sociedade. Artista não binário e capixaba CASTILHO, que pesquisa as multiplicidades e potencialidades da arte periférica afroindígena apresenta” #PRÓPIR4NH4”, um estudo do corpo direcionado para o termo “mulata”.
O espetáculo “Fuga”, do coletivo “Frente”, mergulha nas profundezas do debate climático contemporâneo e nas ameaças que pairam sobre o planeta e seus ecossistemas. Em “Great Fake”, Iara Izidoro tensiona as noções de construção entre o real e o não real. Jéssica Teixeira constrói, em “Monga”, um trabalho norteado pelo erótico e o ridíciulo a partir dessa figura que ficou mundialmente conhecida como mulher-macaco.
Por meio do processo de “Chama Chama Chama”, a coreógrafa Josefa Pereira cria um terreno em que vários performers/movedores coabitam em simultaneidade de jogo, tato e pulso. Outra coreografia apresentada na Farofa do Processo é “Born to Burn: Estudo III”, de Juliana França, que faz um elogio às bruxas e ao próprio elemento fogo enquanto signo de vitalidade e de transformação.
Andreas Mendes, Mawusi Tulani, Mirella Façanha e Tenca Silva, da Coletiva Inscritas, levam ao palco “Carrossel”, um jogo performático improvisacional em que um grupo de atrizes e diretoras se interrompem em busca de uma composição que aproxime a plateia da cena. Já “Peabiru – Um Caminho de Volta”, de Maya Andrade e Kidauane Regina, é uma performance que resgata memórias e geografias de um caminho que ligava São Vicente ao Peru no período pré-colonial, refletindo sobre os territórios dominados pela colonização.
Co-fundadora d’O Bonde, a atriz e diretora Marina Esteves se juntou ao dramaturgo Lucas Moura no espetáculo “Magnólia”, sobre uma mulher negra que está cansada de carregar o fardo de seu gênero e de sua raça e resolve se despir de tudo. Terra Queiroz apresenta “Sentinela”, ação que parte da experiência da travestilidade preta e suas subjetividades no território brasileiro.
O Original Bomber Crew monta uma série de ações performativas chamadas de “Vapor”. Todas foram pensadas a partir de vivências em Teresina (PI): a ocupação de terras Vila da Esperança, um prédio abandonado junto ao “mercado do peixe” e o conjunto habitacional Jacinta Andrade.
“Debaixo dos véus de minhas senhoras”, do Coletivo Entardecer, é sobre uma mulher negra que reflete sobre sua existência. Mistura de teatro e dança, “Eden”, de Tarina Quelho, é uma cli-fi (ficção-climática) sobre um mundo em que o mercado é regulado pelo dinheiro, mas esse recurso já não encontra nenhuma relação com a realidade.
A ColetivA Ocupação apresenta em “Festa y Guerra”, a sua pesquisa de coro-multidão, para novos aliades, bandos e corpos; a OZ traz ao público o processo de “Aquilombamento Ficha Preta” e a Cia Sacana de Teatro y Dança realiza “Lugar Estranho para um Encontro”, uma intervenção coreográfica itinerante que observa a relação do corpo que dança no espaço público. “É assim que você olha?”, o Coletivo Impermanente debruça-se sobre “Medida por medida”de William Shakespeare em uma espécie de ensaio sobre a obra, elaborando uma pesquisa cênica a partir de algumas estratégias da palestra performance.
O Coletivo Legítima Defesa mostra ao público sua pesquisa de “Exílio: Notas de Mal-Estar que Não Passa”, uma “transcriação da poética” do período de exílio vivido por Abdias Nascimento e a sua relação com Augusto Boal. Em “Jukebox – Resistência y F(R)esta”, Cris Meirelles y Poderosa Ísis propõem um jogo-cabaré, enquanto em “Favela de barro-instáveis moradias em queda”, a Esquadrilha Marginália se debruça nas temáticas periféricas que envolvem a formação do território das favelas, o processo de desapropriação das terras, as heranças culturais negras e indígenas e seus reflexos nos cotidianos das cidades.
Do verbo capengar vem surgindo “Capenga!”, de Estela Lapponi, que faz elucubrações sobre o binômio erectus versus tortum. Em “Atacante”, o Núcleo Tumulto! de Investigação Cênica dá continuidade à pesquisa sobre a violência em múltiplos aspectos, friccionando ficção e realidade em criações dramatúrgicas autorais performativas. A performance “De onde…”, de Ph Veríssima, busca tensionar o local do agora e seus desdobramentos, usando a matéria morta-viva do corpo humano: o cabelo, para trilhar os possíveis corpos-memórias. Em “Terror Noturno”, Preto Vidal apresenta o processo de criação de um solo de teatro negro, no gênero terror, em que conta de suas dificuldades com o sono, se vê aprisionado em seu próprio sonho e ligado ao seu passado.
Em “Um Jaguar por Noite”, as atrizes, os atores e a equipe técnica do 28 Patas Furiosas preparam o espaço cênico para dormir, enquanto elaboram reflexões sobre a dificuldade do sono nas cidades e se arriscam ao tentar lembrar de sonhos perdidos em suas memórias. No plano dos sonhos, um grupo de pessoas decide alugar uma casa no campo para celebrar algo que já não se lembram mais.
Para as crianças
Também há espaço para os infantis na Farofa do Processo. A Cia Benedita traz para o evento o processo artístico de “O Retrato de Janete”, um monólogo sobre os apegos e medos de uma família tradicional; a Cia Graxa, se inspirou na ficção do escritor angolano Ondjaki para criar “A Bicicleta que tinha bigodes”.
Ao final de cada apresentação, acontecem bate-papos conduzidos alternadamente pelo diretor Luiz Fernando Marques, pelo ator e dramaturgo Jhonny Salaberg, e pelo artista e curador do Porto Alegre em Cena, Tiago Piragira.
SERVIÇO
Mostra Farofa do Processo
De 2 a 10 de março de 2024
Gratuito – ingressos distribuídos uma hora antes das apresentações
Atividades das 10h às 22h.
Informações e programação completa em: https://www.faroffa.com.br/
Locais:
Oficina Cultural Oswald de Andrade
Rua Três Rios, 363, Bom Retiro, São Paulo, SP
Casa do Povo
Rua Três Rios, 252 – 1º andar, Bom Retiro, São Paulo, SP
Teatro de Contêiner
R. dos Gusmões, 43, Santa Ifigênia, São Paulo, SP
Siga as redes do evento no Instagram: https://www.instagram.com/faroffasp/
e https://www.instagram.com/corporastreado/